CUMPRIMENTOS E DESPEDIDAS COMO RITUAIS CONVERSACIONAIS1

Luciana Salles de Bragança Moraes


1. Introdução

        Nos últimos vinte anos, muitas mudanças ocorreram no ensino de línguas. A principal foi a mudança de foco na língua em si, ou na forma, para o foco na comunicação, ou seja, na expressão e compreensão do significado através da língua. Passou-se, então, a considerar a língua em uso como objeto de estudo, também passível de descrição. Dentro dessa perspectiva, o presente trabalho pretende descrever os cumprimentos e as despedidas no português do Brasil, considerados como rituais conversacionais.
        Cumprimentos e despedidas são formas de abrir e fechar uma conversação, presentes em todas as sociedades. Envolvem a compreensão de aspectos rituais de interação em uma dada cultura (Goffman, 1971), podendo, assim, diferir de lugar para lugar e de interação para interação. Tais aspectos determinam o uso de diferentes expressões, como “Bom dia.”, “Oi.”, “Olá.”, ou “Tchau.”, “Até logo.”, “Valeu.”, entre outras. Envolvem, ainda, a utilização de recursos não-verbais como gestos, olhares, sorrisos e outros, que variam de acordo com cada cultura.
        Para melhor analisarmos o comportamento social e lingüístico do brasileiro em situações de cumprimentos e despedidas, partimos de duas hipóteses:
1.   o brasileiro, por ser reconhecidamente efusivo e informal, tende a se aproximar ou estabelecer intimidade com as pessoas que cumprimenta e se despede, mesmo que elas, a princípio, não sejam tão próximas assim;
2.   alguns fatores podem interferir na forma como os brasileiros se cumprimentam e se despedem: (1) identidade pessoal dos participantes – sexo e idade dos falantes; (2) relacionamento entre os participantes – grau de proximidade e relação de poder entre eles; e (3) contexto situacional – local de encontro, tempo de distanciamento entre os participantes e circunstâncias de encontro, ou seja, pressa e estado de espírito do falante.
        Partindo, então, do objetivo geral deste trabalho, ou seja, descrever os cumprimentos e despedidas no português do Brasil, elaboramos três objetivos específicos:
1.   analisar os aspectos rituais que envolvem os cumprimentos e as despedidas no português do Brasil;
2.   descrever as principais expressões de cumprimentos e despedidas utilizadas pelos brasileiros;
3.   identificar até que ponto os fatores identidade pessoal, relacionamento entre os participantes e contexto situacional interferem na escolha das expressões e na forma como os brasileiros se cumprimentam e se despedem.
        Para desenvolvermos a proposta apresentada, adotamos nesta pesquisa uma abordagem pragmática, baseando-nos na Sociolingüística Interacional em interface com a Análise da Conversação. Tomamos como base dois trabalhos dessas duas áreas: o de Goffman (1971), sobre rituais conversacionais, e o de Schegloff e Sacks (1973), sobre as diferentes formas de se fechar uma conversação.

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

        Embora haja trabalhos bastante detalhados de autores estrangeiros descrevendo os rituais da vida cotidiana e os cumprimentos e despedidas em diversas línguas, principalmente a inglesa, ainda há uma carência não só de uma descrição que caracterize os diversos usos, como também de uma abordagem explanatória que defina, com mais precisão, os fatores que interferem na escolha dessas formas no português do Brasil.
        As gramáticas de língua materna geralmente têm como foco a estrutura da língua e não o seu uso. As de português para estrangeiros, na maioria das vezes, também enfocam a estrutura da língua, além dos principais elementos lexicais utilizados no português do Brasil. Alguns trabalhos contribuem para este assunto, abordando tanto a linguagem verbal quanto a não verbal utilizada pelos brasileiros (Harrinson,1983; Rodrigues et alii, 1992; Hutchinson e Lloyd, 1996 e Goslin,1998). Porém, deixam algumas lacunas, pois não falam do processo ritualístico envolvido na interação nem apresentam de forma sistemática as principais expressões de cumprimentos e despedidas utilizadas pelos brasileiros.
        Ainda é pequeno o número de gramáticas de português como segunda língua (Prista, 1966; Williams,1969; Thomas, 1974; Tyson-Ward, 1975; Hutchinson e Lloyd, 1996). Apenas Hutchinson e Lloyd abordam os cumprimentos e despedidas, e outros aspectos com que os brasileiros se deparam no seu dia-a-dia. As demais apresentam apenas os aspectos fundamentais da gramática da língua portuguesa, ou seja, a descrição gramatical.
        Podemos considerar que o detalhamento sobre os rituais dos cumprimentos e das despedidas se deu com Goffman (1971) e Shegloff e Sacks (1973).
        O termo ritual foi definido por Goffman como um ato mecânico – que fazemos sem pensar ou prestar atenção – e convencionalizado – submetido a regras, convenções. Segundo o autor, o que temos na sociedade atual são rituais interpessoais, isto é, rituais breves que um indivíduo desempenha em relação a outro. Tais rituais baseiam-se na distinção feita por Durkheim entre rituais positivos e rituais negativos. Os primeiros são os que sustentam a conversação, aproximando o falante do ouvinte, e os últimos, os que o falante utiliza para evitar o ouvinte, para mantê-lo distante, preservando o seu “eu”. Para o autor, cumprimentos e despedidas são rituais interpessoais positivos.
        Outro termo também definido por Goffman é face, que se refere à auto-imagem pública delineada em termos de atributos sociais aprovados. O autor considera que este termo, além do significado de semblante ou aparência, também possui a conotação de dignidade, auto-respeito e prestígio, explorando essa dualidade em sua terminologia. Assim, define shamefaced como estar envergonhado; to save face (salvar a face), como salvar as aparências; e to lose face (perder a face), como perder o prestígio, desacreditar-se.
        Goffman fala sobre cumprimentos e despedidas ao abordar a Face e as Relações Sociais. Afirma que, ao começar um encontro, mediato ou imediato, já existe algum tipo de relação social entre uma pessoa e os outros participantes, bem como uma expectativa de sua parte quanto à relação que manterá com estes após o término do encontro. Para o autor, os cumprimentos são

um modo de mostrar que a relação ainda é o que era quando do término da co-participação anterior, e (...) que esta relação envolve uma supressão de hostilidade suficiente para que os participantes deixem cair, temporariamente, suas defesas, e conversem.

        e as despedidas

resumem o efeito do encontro sobre a relação e mostram o que os participantes podem esperar um do outro quando se encontrarem da próxima vez.

        Afirma, ainda, que

o entusiasmo dos cumprimentos compensa o enfraquecimento da relação causado pela ausência que acaba de findar, ao passo que o entusiasmo das despedidas compensa a relação pelo dano que a separação iminente lhe causará (Goffman, 1967: 104).

        Em seu trabalho, Goffman faz uma descrição detalhada sobre os cumprimentos, incluindo o comportamento padrão das pessoas ao se cumprimentarem e a forma como a classe média norte-americana se cumprimenta. Apresenta, também, alguns fatores que atuam no comportamento das pessoas quando se cumprimentam e se despedem, tais como as circunstâncias em que se encontram, a proximidade/distanciamento entre elas, o tempo em que não se vêem e o lugar do encontro.
        O autor destaca, ainda, as principais diferenças entre os cumprimentos e as despedidas: (1) os cumprimentos marcam um aumento de acesso entre os participantes e as despedidas, uma diminuição; (2) os cumprimentos são mais fáceis para os participantes e têm uma preparação mais confortável, enquanto as despedidas são mais difíceis e têm uma preparação mais delicada, já que uma pessoa pode estar menos inclinada a terminar a conversação do que a outra e o falante se preocupa em não ser grosseiro, em mostrar que a presença do outro não é indesejada; e (3) os cumprimentos voltam-se para o passado, para o período de ausência de contato que acabou de terminar, enquanto as despedidas voltam-se para o futuro, isto é, para a ocasião em que os participantes vão se ver novamente.
        As despedidas são abordadas de forma mais detalhada por Schegloff e Sacks (1973). Os autores propõem algumas formas de terminar uma conversação: através do uso de trocas de término, de pré-fechamentos e de técnicas que iniciam os fechamentos.
        As trocas de término se realizam na forma de pares adjacentes, como, por exemplo, a troca de despedidas “Tchau.” / “Tchau.”. Os pré-fechamentos são expressões como “Bem, ...”, “Ok ...” e “Então ...”, que freqüentemente são utilizadas quando queremos sinalizar à outra pessoa que a conversa chegou ao fim e que vamos nos despedir.
        Com relação às técnicas que iniciam o fechamento, os autores destacam a referência aos interesses do outro, o anúncio aberto e o fechamento pré-tópico. A primeira diz respeito a formas do tipo “Vou te deixar ir embora.” ou “Não quero te prender.”, através das quais o falante dá a entender que a outra pessoa está interessada em ir embora. A segunda refere-se ao fato de o falante dizer explicitamente que vai embora, como em “Eu tenho que ir.” ou “Vou andando porque preciso estudar.”, desencorajando, assim, a reabertura do tópico. A terceira diz respeito a formas do tipo “Você está ocupado?”, “Estou te atrapalhando?” ou “Você está jantando?”. A resposta da outra pessoa vai determinar o fechamento ou não da conversa.
        Schegloff e Sacks enumeram, ainda, diferentes maneiras de se realizar um fechamento: através (1) da marcação de outro encontro – “Até sexta.” / “Então eu te vejo na festa.”; (2) do uso de instruções - “Vai lá pra tua aula.”; (3) de um convite - “Aparece na minha festa.” / “Volte sempre.”; (4) da volta a um assunto já mencionado - “Eu só queria saber como você estava.”; e (5) de agradecimentos - “Obrigado.”.

3. METODOLOGIA

        A metodologia utilizada nesta pesquisa dividiu-se em duas etapas. Na primeira, foi elaborado e aplicado um questionário, com perguntas sobre cumprimentos e despedidas, a falantes nativos de português do Rio de Janeiro. Tal questionário nos permitiu identificar e apresentar as principais expressões de cumprimentos e despedidas utilizadas pelos cariocas em diferentes contextos. Apesar de ter atingido plenamente esse objetivo, observamos que as perguntas do questionário exigiam respostas pontuais, não dando exemplos da realização desses rituais em conversas espontâneas. Por isso, fez-se necessária a complementação desses dados através da análise de cenas da novela Vila Madalena (ambientada em São Paulo), da Rede Globo de Televisão. Além de exemplificar contextos em que as expressões de cumprimentos e despedidas encontradas no questionário apareciam, a novela revelou determinados recursos utilizados pelos brasileiros na realização desses dois rituais.

I- O questionário

        Na elaboração do questionário foram considerados o grau de proximidade entre falante e ouvinte, sexo, idade, relação de poder, o tempo em que não se viam, o local de encontro, a pressa e o estado de espírito do falante; ou seja, os fatores de interferência na forma como os brasileiros se cumprimentam e se despedem. Foram formuladas 9 perguntas, divididas em C (perguntas para cumprimentos) e D (perguntas para despedidas), apresentadas a 50 falantes de português do Rio de Janeiro.
        Os informantes foram escolhidos de acordo com a faixa etária e o sexo. As faixas etárias foram divididas em: I (15 a 30 anos); II (31 a 45); III (46 a 60) e IV (61 ou mais). Tal divisão se deu desta forma por considerarmos que não há grande variação na utilização das expressões a cada 15 anos, entendido este intervalo como definidor de uma mudança de geração. Porém, constatamos consideráveis alterações no vocabulário utilizado dentro da faixa I, tornando-se necessária a sua subdivisão entre IA (15 a 20 anos) e IB (21 a 30).
        Dentro de cada faixa etária foram escolhidos 10 informantes, sendo 5 do sexo feminino e 5 do sexo masculino. Pessoas com idade inferior a 15 anos não foram entrevistadas por estarem fora do foco deste trabalho, qual seja, jovens e adultos de classe média do eixo Rio-São Paulo. Optamos por investigar a linguagem de jovens e adultos por estes constituírem grande parte do público estrangeiro à procura de aulas de português.
        Para cada item de cada pergunta do questionário, foram listadas, separadamente, todas as expressões que surgiram como resposta. Apesar de muitas dessas expressões virem agrupadas no momento da entrevista, como, por exemplo, “Oi, tudo bem?”, “E aí? Como é que você está?”, “Tchau, um abraço.”, “Tchau, até amanhã.”, etc., optamos por separá-las em nossa análise com o objetivo de melhor avaliarmos o real uso de cada uma delas. Porém, mantivemos juntas as que possuíam o mesmo significado ou que variavam de acordo com o registro do falante, tais como “Tudo bem / bom?”, “Como (é que) vai? / Como vão as coisas?”, “Prazer. / Muito prazer. / Prazer em conhecê-lo.”, etc. Também não separamos pequenas variações de uma mesma expressão, como “Oi. / Oi, cara. / Oi, pessoal.”, já que nosso objetivo era avaliar o uso da expressão principal, no caso "Oi.", e não essas pequenas variações.
        Para cada expressão respondida, foi anotado o número de ocorrências por faixa etária e sexo, a fim de avaliarmos até que ponto o fator identidade pessoal dos participantes interferia na escolha das expressões de cumprimentos e despedidas utilizadas. Assim, tivemos, por exemplo, para a expressão “Oi.”, na faixa etária IA (15 a 20 anos), 1(M)/4(F), que corresponde a uma ocorrência entre informantes do sexo masculino e quatro, entre informantes do sexo feminino. Foi anotado também o total de ocorrências de cada expressão para melhor avaliarmos a freqüência com que apareciam e podermos chegar às conclusões obtidas no final do trabalho.
        Conforme mencionado anteriormente, não houve apenas uma resposta para cada item das nove questões, como “Oi, tudo bem? Como é que estão as coisas?”, por não cumprimentarmos nem nos despedirmos das pessoas sempre da mesma forma. Optamos, então, por registrar todas as expressões respondidas por cada informante, dando margem, assim, a um maior número de ocorrências por entrevistado.
        A análise das respostas obtidas baseou-se no campo semântico-pragmático em que se encontra cada expressão. Assim, para os cumprimentos, expressões como “Como vai?”, “Está bom / boa?”, “Como é que está passando?”, etc., foram agrupadas por exprimirem interesse pelo ouvinte. Nas despedidas, igualmente, expressões com “Até” (“Até logo.”, “Até breve.”, “Até amanhã.”, etc.), e outras como “Te vejo na sexta.” e “A gente se fala / vê.”, foram agrupadas por constituírem expressões de referência a um contato futuro.

II- A novela

        Foram analisados 9 capítulos, totalizando 60 cenas da novela Vila Madalena, cenas estas que apresentam os mais variados contextos. Porém, foram utilizadas como fonte de dados as 10 cenas consideradas mais importantes para a exemplificação de alguns casos encontrados no questionário e para a apresentação de casos não presentes nos dados obtidos com o mesmo.
        Das 10 cenas analisadas, 4 retrataram apenas cumprimentos, 2, apenas despedidas e 4, cumprimentos e despedidas. Podemos destacar, portanto, um total de 8 situações de cumprimentos e 6 de despedidas, sendo que, dos 8 casos de cumprimentos, 2 corresponderam à ausência dos mesmos, situação também comum em determinados contextos do dia-a-dia do brasileiro.
        As cenas foram analisadas de acordo com sua ordem numérica, sendo relacionadas às perguntas do questionário que apresentavam contexto semelhante. No entanto, apesar de algumas cenas se encontrarem fora dos contextos analisados, optamos por mantê-las em nossa pesquisa por representarem situações também relevantes e/ou casos não encontrados através do questionário.

4.RESULTADOS E DISCUSSÃO

        Através da análise do questionário, chegou-se à classificação de diferentes tipos de expressões de cumprimentos e despedidas:

I.Expressões cristalizadas:

        •CUMPRIMENTOS: “Oi.”, “Olá.”, “Tudo bem?”, “Como vai?”(e variações), “Bom dia, ...”, “Prazer.” (e variações), “Bem-vindo.” (e variações)
        •DESPEDIDAS: “Tchau.”, “Até logo.”, “Obrigado.”, “Bom dia, ...” e “Prazer.” (e variações)

        As expressões “Tudo bom / bem?” e “Como vai?” (e variações), apesar de certas vezes demonstrarem interesse pelo outro ou por sua família, no caso da segunda expressão, freqüentemente são proferidas sem demonstração de interesse algum por parte do falante, sendo meras expressões cristalizadas.
        Embora “Prazer.” (e variações) também possa exprimir satisfação em ver / conhecer ou ter visto / conhecido a outra pessoa, foi considerada como expressão cristalizada porque, na maioria da vezes, é proferida sem exprimir qualquer sentimento, sendo utilizada apenas como convenção social. Da mesma forma, “Até logo.” poderia ser considerada como expressão de referência a um contato futuro, mas normalmente não exprime o desejo do falante de ver a outra pessoa em breve. Assim, também está sendo considerada como expressão cristalizada, no caso, de despedida. O mesmo pode ser afirmado, ainda, sobre a expressão “Obrigado(a).”, que, embora possa exprimir gratidão por parte do falante, geralmente é utilizada como simples expressão cristalizada de despedidas.
        “Bem-vindo.” (e variações) é uma expressão cristalizada de cumprimentos freqüentemente utilizada quando alguém recebe um ou mais convidados em sua casa, ou quando alguém visita pela primeira vez ou retorna à cidade do falante, por exemplo.

II.Gírias:

        •CUMPRIMENTOS: “E aí?”, “Qual é?”, “Tranqüilo?”, “Fala!”, “Beleza?”
        •DESPEDIDAS: “Valeu.” e “Falou.”

III.Expressões que demonstram sentimento por parte do falante:

        •CUMPRIMENTOS: “(Há) quanto tempo!”, “ (O) que (que) você está fazendo aqui?”, “Que bom te ver!”, “Estava morrendo de saudade!”, “O que (que) você conta de novo?”, “Como vai X?”, “Você não é o X?”, “Como você está bem!”
        •DESPEDIDAS: “Até amanhã.”, “Adorei te conhecer.”, “Vou ficar com saudade.”, “Boa viagem.”, “Você está linda!”

        Entre as expressões de cumprimentos, destacamos as de (1) referência ao passado, como “(Há) quanto tempo!”; (2) surpresa, como “(O) que (que) você está fazendo aqui?”; (3) satisfação em ver a outra pessoa, por exemplo, “Que bom te ver!”; (4) saudade, como “Estava morrendo de saudade!”; (5) interesse pelo outro / pela família do outro, por exemplo, “(O) que (que) você conta de novo?”; (6) reconhecimento, como “Você não é o X?”; e (7) elogio, por exemplo, “Como você está bem!”.
        Entre as expressões de despedidas, encontramos as de (1) referência a um contato futuro, como “Até amanhã.”; (2) satisfação em ter visto / conhecido o outro, por exemplo, “Adorei te conhecer.”; (3) saudade, como “Vou ficar com saudade.”; (4) votos, por exemplo, “Boa viagem”; e (5) elogio, como “Você está linda!”.

IV.Expressões de pré-fechamento:

        •“Então, ...”, “Então tá.”, “Tá bom.” e “Bom,...”

        Tais expressões são utilizadas pelo falante para sinalizar que quer ou que precisa terminar a conversação.

V.Expressões que iniciam o fechamento:

        •“Vou te deixar ir embora.”, “Não quero te prender.”, “Já vou indo.”, “Eu tenho que ir.”, “Você está ocupado?”, “Estou te atrapalhando?”

        Esse tipo de expressão diz respeito à referência aos interesses do ouvinte, como, “Vou te deixar ir embora.”, ao anúncio aberto, por exemplo, “Já vou indo.” e ao fechamento pré-tópico, como “Você está ocupado?”.

VI.Expressões que demonstram outras maneiras de se realizar o fechamento:

        •“Vai na frente, que eu já estou indo.”, “Aparece lá em casa.”, “Manda um beijo pra X.”, “Então toma a chave, vai no meu carro.”

        Dentre as principais, destacamos (1) o uso de instruções, como “Vai fechando a casa que a gente já sai.”; (2) o convite, por exemplo, “Aparece lá em casa.”; (3) as recomendações, como “Manda um beijo pra X.”; e (4) os oferecimentos, por exemplo, “Então toma a chave, vai no meu carro.”.
        Os oito tipos de expressões de cumprimentos e despedidas encontrados são, na verdade, recursos utilizados pelo falante para facilitar a abertura e o fechamento da conversação.
        Com relação aos fatores que atuaram na escolha das expressões por parte dos entrevistados, destacamos:

1-Identidade pessoal dos participantes

a) idade dos falantes

        Em todas as faixas etárias, as expressões mais utilizadas nos diversos contextos foram “Oi.” e “Tudo bom / bem?” (para os cumprimentos), e “Tchau.” (para as despedidas).
        Observamos, porém, uma forte tendência por parte dos informantes da faixa I (15 a 30 anos), principalmente IA (15 a 20), a substituir tais expressões cristalizadas por gírias como “E aí?”, “Qual é?”, “Beleza?”, “Fala!” e “Tranqüilo?” (para os cumprimentos), e “Valeu?” (para as despedidas).
        Em situação de apresentação, enquanto os informantes das faixas III e IV (a partir de 46 anos) preferiram utilizar a expressão cristalizada “Prazer.” (e variações), os entrevistados das faixas I e II (15 a 45 anos) optaram pelo uso de “Oi.” e “Tudo bom / bem?”, tornando informal, assim, o primeiro contato com o desconhecido. Neste caso, novamente, houve grande ocorrência de gírias por parte de informantes da faixa IA. Da mesma forma, nas despedidas, os entrevistados das faixas III e IV utilizaram largamente a expressão “Prazer.” (e variações), enquanto os mais jovens, das faixas I e II, preferiram usar a expressão “Tchau.” ou gírias (IA).
        As expressões cristalizadas “Como vai?” (e variações) e “Até logo.” revelaram-se mais comuns nas faixas etárias mais altas. “Como vai?”(e variações) mostrou-se pouco utilizada por falantes das faixas I e II (15 a 45 anos), tendo sua freqüência aumentada na mesma proporção das faixas etárias. Seu maior uso ocorreu, portanto, na faixa IV (a partir de 61 anos). “Até logo.”, igualmente, apresentou maior uso nas faixas III e IV, sendo raramente utilizada por falantes da faixa etária I.
        Apesar de as expressões de referência a um contato futuro estarem presentes em todas as faixas etárias, podemos destacar “Me liga. / Te ligo.”, “A gente se vê / se fala / se esbarra.”, “Te encontro.” e “Até mais.”, como sendo mais freqüentes nas faixas etárias I e II (15 a 45 anos).

b) sexo dos falantes

        Com relação à interferência do sexo dos falantes na escolha de expressões, constatamos que as gírias predominaram entre informantes do sexo masculino da faixa I. Os do sexo feminino optaram, na maioria das vezes, pelo uso das expressões cristalizadas “Oi.” e “Tudo bem / bom?”, para os cumprimentos, e “Tchau.”, para as despedidas.
        Observamos, ainda, que informantes do sexo feminino de todas as faixas etárias utilizaram com freqüência expressões de despedidas como “(Um) beijo.” / “Beijos.”, enquanto os do sexo masculino deram preferência ao uso de “Um abraço.” / “Um abração!”.

2- Relacionamento entre os participantes

a) grau de proximidade entre os falantes

        Verificamos, em todo o questionário, que o grau de proximidade entre falante e ouvinte foi o fator que mais interferiu na escolha das expressões de cumprimentos e despedidas, utilizadas em cada situação. Assim, quanto mais próximos são os falantes, mais extensos são os cumprimentos e as despedidas.

b) relação de poder entre os falantes

        Observamos que, ao se encontrarem em situação de serviço, os falantes não se sentem na obrigação de cumprimentar e se despedir de um porteiro, ascensorista ou vendedor de uma loja, por exemplo, pessoas cujo grau de poder é menor do que o seu. No entanto, se conhecem essas pessoas, tendem a deixar de lado a relação de poder e a dar prioridade ao grau de proximidade.

3- Contexto situacional

a) local de encontro

        Foram testados os seguintes ambientes: o elevador do prédio onde os entrevistados moram, a praia, uma festa, o trabalho e a rua. O local de encontro não se revelou, no entanto, um fator de grande interferência nos cumprimentos e nas despedidas dos brasileiros; o grau de proximidade entre os falantes é que determinou a escolha das expressões.

b) tempo de distanciamento entre os falantes

        Com relação ao tempo em que as pessoas estão ou vão ficar sem se ver, podemos afirmar que este fator interferiu bastante nos cumprimentos e despedidas dos entrevistados, mas que está ligado, mais uma vez, à proximidade existente entre eles. Assim, se duas pessoas não têm muita intimidade, podem se ver diária, ocasional ou raramente, que não mudam muito a forma de se cumprimentarem e se despedirem. No entanto, se são próximas, quanto maior o tempo de distanciamento entre elas, mais efusivos e mais longos são os cumprimentos e as despedidas.

c) circunstâncias de encontro: pressa e estado de espírito do falante

        Este fator revelou-se bastante relevante para a pesquisa. Por exemplo, se o falante estiver com pressa ou mau humorado, cumprimenta sem parar ou passa direto pelo ouvinte; se estiver com tempo ou de bom humor, pára, cumprimenta, conversa e se despede calmamente. Entretanto, observamos que mesmo estando com pressa ou mau humorado, quando diante de uma pessoa muito próxima, tende a parar ao menos para cumprimentá-la. Desse modo, verificamos a interferência do fator grau de proximidade entre os falantes.
        Todos os fatores analisados se mostraram relevantes para a realização dos cumprimentos e das despedidas no português do Brasil. Porém, o que se revelou mais forte e determinante no comportamento social e lingüístico dos brasileiros foi o relacionamento entre os participantes, mais especificamente, o grau de proximidade entre os falantes. Isso ocorre porque o brasileiro tem como característica estabelecer intimidade com as pessoas de seu convívio e trazer a afetividade para todos os ambientes por que passa, até mesmo ambientes a princípio mais formais, como o do trabalho.
        A novela confirmou o uso dos diferentes tipos de expressões encontrados no questionário. No entanto, as cenas analisadas também revelaram outros recursos utilizados pelos brasileiros para abrir e fechar convenientemente a conversação:

1) Contextos em que os cumprimentos e as despedidas não são necessários

        Há situações, como, por exemplo, chefe x secretária, em que se dispensam os cumprimentos e as despedidas. Nesses casos, os cumprimentos normalmente ocorrem no primeiro encontro e as despedidas no fim do expediente, não sendo necessários nas outras vezes em que se dirigem um ao outro ao longo do dia.

2) O uso de desculpas

        As cenas da novela revelaram que é muito comum o uso de desculpas para um falante sair da conversação sem ser grosseiro ou inconveniente. Assim, observamos que, quanto mais dificuldade o falante encontra para terminar o encontro, mais desculpas tende a utilizar.

3) A insistência

        Foram encontrados dois casos desse recurso nas cenas analisadas: o do anfitrião insistindo para que seus convidados não fossem embora de sua festa e o do pai insistindo para que seu filho não saísse tão rapidamente de casa. Aliás, essa característica do brasileiro de insistir pela presença do outro muitas vezes pode causar embaraço ao estrangeiro, que se sente na obrigação de ficar mais no local da festa, mesmo contra a sua vontade.

4) As despedidas como abertura para outras despedidas

        Esse é um recurso bastante utilizado em festas ou reuniões: quando uma pessoa se despede, abre espaço para outras também se despedirem.

5) O uso repetido de uma mesma expressão

        O uso repetido de expressões de cumprimentos e de despedidas pode ter diferentes interpretações. Por exemplo, o uso de “Oi” pode indicar pressa, enquanto o uso de “Tchau” pode indicar uma dificuldade do falante para sair da conversação.

6) O tópico que serve como ‘gancho’ para o fechamento

        Muitas vezes, o brasileiro se encontra em uma situação em que quer ou precisa sair de um local, terminar uma conversação, e não sabe como. Neste caso, é comum que utilize um assunto que está sendo discutido como ‘gancho’ para sinalizar sua saída. Por exemplo, o pai precisa sair para buscar o filho na escola. Um outro falante comenta algo sobre crianças. O pai aproveita e diz “Falando em criança, vou indo ... preciso levar a Laurinha pra escola...”.

7) O ‘pedido de permissão’ para sair da conversação

        Este recurso é comumente utilizado para amenizar o incômodo da saída do falante. Por exemplo, em “Deixa eu ir, que está na minha hora.”, o falante pede permissão para sair da conversação. Na verdade, não precisa que os outros participantes lhe dêem permissão para sair. Por isso, o consideramos como um suposto ‘pedido de permissão’.

5. Conclusão

        Através da análise do questionário e das cenas da novela Vila Madalena, observamos que se confirmou a hipótese de que o brasileiro procura estabelecer intimidade com as pessoas que cumprimenta e se despede, utilizando, para isso, expressões informais que tendem a aproximá-lo do ouvinte.
        Confirmou-se, também, a segunda hipótese do trabalho, de que os fatores identidade pessoal dos participantes (idade e sexo dos falantes), relacionamento entre falante e ouvinte (grau de proximidade e relação de poder entre eles) e contexto situacional (local de encontro, tempo de distanciamento entre os participantes, pressa e estado de espírito do falante) interferem na forma como se cumprimentam e se despedem.
        Os cumprimentos e as despedidas, no português do Brasil, revelaram-se, portanto, rituais extremamente ricos, nos quais se combinam crenças sobre o comportamento do brasileiro (ex.: não precisamos cumprimentar e nos despedir do porteiro do prédio, do ascensorista do elevador comercial) e recursos para o falante dar início e sair convenientemente da conversação.
        Os recursos utilizados nos cumprimentos procuram aumentar o acesso entre falante e ouvinte, tornando o encontro agradável e facilitando uma possível continuação da conversação. Já os recursos utilizados nas despedidas servem para diminuir o acesso entre os participantes e quebrar o contato de forma a proteger as faces do falante e do ouvinte, tornando mais fácil o término da conversação. Assim, o modelo de Goffman (1971) parece confirmar-se com relação aos padrões interacionais brasileiros: os cumprimentos são um ritual mais fácil do que as despedidas. Por este motivo, as despedidas tendem a se alongar mais do que os cumprimentos, na mesma proporção da dificuldade do falante de sair da conversação.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MORAES, L.S. de B. Rituais de abertura e fechamento de conversação: cumprimentos e despedidas em PLM, com aplicabilidade em PLE. Dissertação de Mestrado, PUC/RIO, 2000.

PRISTA, A.R. Essential Portuguese Grammar. Dover Publications: N.Y., 1966.

RODRIGUES, Daniele M. G. Brazilian Portuguese: your questions answered. 3a ed. Ed. UNICAMP: Campinas, 1992.

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TYSON-WARD, S. Portuguese Verbs and Essentials of Grammar. Passport Books: Illinois, 1975.

WILLIAMS, E.B. An Introductory Portuguese Grammar. Dover Publications: N.Y., 1969.




1 Este trabalho resume as principais questões abordadas em minha dissertação de mestrado, Rituais de Abertura e Fechamento de Conversação: Cumprimentos e despedidas em Português como Língua Materna, com aplicabilidade em Português como Língua Estrangeira, defendida em fevereiro de 2001.